domingo, 14 de março de 2010

O PRAZER QUE BUSCO

Da janela do meu quarto observo o que chamam de mundo. Acima projeta-se o que da astronomia assimilei. Abaixo, o que entendi da antropologia.


Da janela do meu quarto observo o mundo. Camadas e camadas de sentido. Eu já não me importo. Não vivo aqui. Aqui é um campo de trabalho, onde manipulamos e construímos. Nada daqui constitui a mim. Sou um ser distanciado disso tudo. A um passo sou distanciado, a outro, dou minha vida para construir algo duradouro. Esta vida não é minha. Utilizo um traje espacial e uma identidade que me deram para atuar neste mundo. Não ajo por minha própria força, não vivo por minha conta. Tudo é emprestado. Tudo é meu e nada me pertence. Tudo me é dado.


Em tudo busco o verdadeiro valor. Em tudo busco a verdade. Não sou um intelectual que busca o prazer no intelecto, o prazer do pensamento, que sem dúvida é o prazer individual mais elevado; não sou um artista, que busca o sentido e o prazer na experiência estética. Não sou um materialista, que busca o prazer e o sentido na matéria. Eu sou um ser espiritual que busca a Verdade, o Bem e o Belo. O prazer que busco é aquele da cosmogonia: quando me sinto Um com todas as pessoas e com a grande Vida. Este é, sem dúvida, o mais elevado prazer. Como consegui-lo? Vivendo para os outros, em favor dos outros, em benefício do todo e não de mim.

A experiência estética e a religiosa

Talvez tudo que escrevesse neste momento fosse uma reavaliação de meu passado; um querer registrar tudo o que agora lateja em mim como vida e que me serve de lição, de aprendizado. São tantas as boas sensações, as alegrias que às vezes me confundo em registrá-las. Quero guardar para sempre estes ensinamentos para nunca mais cair nas mesmas redes do fenômeno. Uma rede chama-se intelectualismo. Tratarei sobre ela novamente.


Sobre o intelectualismo tenho dito que ele jamais pode balizar uma vida. Hoje percebo que substituí a intuição pelo intelectualismo. Em vez de crer em minha consciência, em minha orientação interior, depositei minhas forças numa espécie de desenvolvimento intelectual/racional do homem civilizado. Dali adviriam minhas forças, dali minha razão de viver. Aos poucos notei que os homens de estrito rigor intelectual, aqueles que admirava, eram homens incompletos em diversas outras esferas (que pra mim são fundamentais) da vida. Tristes, viciosos, críticos, desesperançosos. Definitivamente,  não podia almejar um futuro tão desagradável. Um futuro tão pequeno.


Para o intelectual de hoje a estética, a arte e o intelectualismo assumem o sentido de sua vida. Eles dizem que não há sentido nenhum, e de fato a arte não nos dá sentido nenhum  [ouso dizer que sentido nenhum é outra espécie de sentido construído]. Ela possibilita a experiência estética, apenas isso. Experiência estética é um luzir da consciência, do ser, da linguagem e do sentido. É um expandir da consciência que gera uma sensação de plenitude, de transcendência, de cosmogonia, de perda do eu. É por isso que ela substituiu a religião para determinados grupos; ou pior, transformou-se em uma religião. Pena que tornou-se a religião do egoísmo, do hedonismo, e não da fraternidade, da irmandade.


De fato, a experiência estética é parecida com a experiência religiosa: a transcendência, a fusão do eu com o todo, a sensação de completude. A diferença fundamental é a de que a religião preconiza uma ideologia, um modo de vida, uma moral, e a experiência estética é isenta de prescrições, fechando-se em si mesma – seu êxtase é seu fim. [Não me parece mais ser isenta de prescrições, pois existe a ordem do hedonismo, a ordem da explosão da ira, a ordem de dispensar qualquer moral, de omitir-se da ética]. 






É curioso o caminho que percorreu a humanidade. Passando por séculos criou uma moral e uma ética, notoriamente alicerçadas na religião. Com o cientificismo do século XIX, a filosofia separou-se da religião, e a ética e a moral procuraram se afastar de dogmas. No século XX o cientificismo fracassou como possibilidade de entender e explicar o real. Com ele naufragaram a moral e a ética. [Observou-se que era impossível sistematizar a ética; era impossível postulá-la intelectualmente, pois ela se submetia às variáveis tempo, pessoa e lugar - somente a intuição poderia dar conta desse equilíbrio].


Nem a ciência, nem a religião davam conta da realidade. Então os homens se renderam à experiência estética, que além de possibilitar um espetacular desenvolvimento intelectual e cultural, também dá prestígio.


É curioso como este homem esteta pôde ignorar uma moral e uma ética desenvolvidas em séculos. [Tudo bem que não pudesse compreendê-la, mas a inteligência intelectual é somente uma das inteligências que possuímos - por que deveria anular todas as outras inteligências, as outras maneiras de se compreender o real?]


Retomarei uma escritura bíblica: “Ainda que falasse a língua dos homens e a língua dos anjos, sem a caridade eu nada seria”. Nesta escritura encerra-se meu assunto: o desenvolvimento intelectual e o refinamento estético não me farão um homem melhor. Somente a exteriorização do amor (a caridade, como preferem os budistas) me fará melhor.


O desenvolvimento intelectual é louvável, é muito bom. Conheço homens, como eu fora, que, reconhecendo sua aptidão para esta área, centravam toda sua vida aí, fazendo dele também (do desenvolvimento intelectual) o sentido de sua vida. Assemelha-se a um colegial que, ao reconhecer sua habilidade nos esportes, não quer fazer outra coisa; ou ao aluno cdf, que, sentindo-se confortável com as lições que lhe parecem fáceis, priva-se das atividades esportivas. Ambos estão errados, a vida é desenvolvimento sem fim, a vida é todas as coisas, é todas as habilidades ao mesmo tempo. O intelectual precisa aprender a sorrir, a compreender e a conviver em todos os meios culturais. Precisa, sobretudo, aprender a manifestar o amor – o sentido maior desta vida.