segunda-feira, 25 de janeiro de 2016

TE AMO, SÃO PAULO

              Cidade do não-lugar, da velocidade e do comércio. Paulicéia desvairada. Não posso deixar de amá-la. Suas curiosidades não acabam.
                Considero aqui não somente a cidade, mas toda a grande São Paulo, com suas periferias que, apesar da classe média nutrir terror por elas, é onde mais se encontra verdade por aqui.

                Megalópole dos mil olhares. Como lembra a psicologia positiva, o negativo é o mais fácil de se olhar, o que exige menor esforço. E assim o és para os visitantes apressados, os viajantes incautos tragados por seus circuitos comerciais.
                O mais doloroso da grande cidade é a impessoalidade, ao tornar o humano objeto de consumo, mas também criando ambiente muito propício para transformações culturais.
                Sem dúvida, uma das cidades que mais proporciona ascensão social, principalmente para os que conseguiram acessar as regiões privilegiadas, seja por aluguel, seja por trabalho ou estudos.
                Mas veja que cidade interessante: possui a maior reserva de Mata Atlântica presente em uma grande cidade e margeia a maior reserva do Estado, certamente uma das maiores do país. Somente uma política com avanços humanitários poderia salvar um pulmão verde como a Cantareira.
                O trânsito se torna o grande paradoxo da modernidade, pois ele entrava a rapidez competitiva. A administração política vigente (2016) reduziu a velocidade das vias da cidade e criou 200 km de ciclovias. Os argumentos são redução de vítimas do trânsito, modo de vida mais saudável e por consequência redução de gastos públicos. Há os que creem em uma indústria de multas. Mas a verdade é que somente uma cidade com pilares intelectualizados poderia ousar afrontar a velocidade, o individualismo (automóvel) e o desmatamento (a especulação mobiliária).
                Perguntaram-me se os animais são capazes de contemplar a natureza. Eu não sei nada de nada, mas se me perguntam eu matuto e respondo. O etólogo e psicólogo Boris Cyrulnik escreveu que contemplam à sua maneira, bem diferente da nossa. Para o ser humano, a contemplação prescinde de um estado elevado de ser. A maior parte da humanidade deve desconhecê-la. Observam normalmente o que disseram que se deve observar. Estou aprendendo a contemplar meu território e, compreendendo, aprendendo a amar. Amar não é gostar ou não gostar, é aceitar como se é, após conhecer, escreveu o psicanalista alemão Erich From.
                Os meios de comunicação quase que só mostram escânda-los desta cidade. Dizem que há muita violência, poluição etc. A racionalidade nos demonstra facilmente que se formos noticiar tragédias envolvendo 15 milhões de vidas não haverá tempo para se falar de outra coisa. Tenebroso, portanto, o desserviço que prestam esses meios. São Paulo não é nada disso.
                   Eu não me mudaria para outra cidade, outra, de uma beleza fácil e evidente. O encantamento é o que mais nos turva a realidade. Nem posso. Nem quero mesmo. Há algo de visceral, entranhado mesmo, ao vivermos onde nascemos. É o melhor lugar para viver-se. Há uma segurança interior ímpar. Triste é a vida dos migrantes, imigrantes. Desenraizar-se é uma obrigação. O nosso lugar tem qualquer coisa de mágico. O bairro onde nasci, Santa Tereza, é de migrantes - como meus pais o foram. Quase todos queriam retornar à terra natal, pois “lá eram felizes”.
                O homem precisa de um tempo em um espaço, para fazer dele algo. Algumas décadas. Triste é desenraizar as pessoas. E essas pessoas estarem noutro lugar de passagem, fazendo dele lugar nenhum, sem amor pelo local. Mas há falta de tudo, como exigir consciência?
                Essa espécie de planalto paulistano tem o melhor clima do mundo. As constantes variações (sempre amenas) são excelentes para o ar e para a saúde, ao contrário do que reclamam por aí. A mentalidade do passado transformou um rio em esgoto e a cidade humana em cidade do automóvel. Mas isso vem mudando e nutro esperanças. Essa também é só uma das características da cidade, há outras que mais me interessam como o maior fervor artístico e cultural do país. As culturas periféricas, sob gerações que começam a assentar-se em seus territórios, apresentam uma cultura das mais verdadeiras por aqui.
                A realidade não é para o olho. Ainda menos para ser observada de dentro de um veículo.
                Suas vias principais, onde pichações e publicidade disputam espaço e a poluição visual é tremenda, mostram apenas uma das caras da cidade. As outras só podem ser acessadas por passadas e seu tempo outro. Caminhando, somente, é que se pode ver um pouco mais, quem sabe sentir olores distintos. Quiçá ver beleza e curiosidades ainda não classificadas. É essa São Paulo que estou aprendendo a amar. Digo mesmo que com esse olhar pode-se amar qualquer cidade. Um olhar despretensioso, isento (?) de julgamentos, que busca o desconhecido.
                 Para fechar, quero dar dicas do melhor da cidade: O Samba da vela, em Santo Amaro, merece um estudo sociológico cultural. Em poucas palavras, o que eles fazem lá resgata a afetividade, as raízes brasileiras; abrem um espaço de criação poética e musical, uma escola em todos os sentidos; promovem conversa, reflexão, respeito, memória. Um verdadeiro espetáculo para se ver e vivenciar. O Sarau da Cooperifa, do Binho, do Beco, do Vinil, do Pira, do Charles trazem tudo isso e a possibilidade, sobretudo, de se conhecer histórias humanas. Cito também a Escola Paulista de biodança, na pessoa de Marlise, que me ensinou a encontrar-me com o outro. E o resto, todos conhecem.
 


sexta-feira, 22 de janeiro de 2016

Você conhece um médico negro?



Que me perdoem a ênfase, amigos, mas, ao entrar no consultório e ver pela primeira vez um médico negro, brasileiro, me emocionei! Quis mais saber sobre a história dele do que contar a minha!
Para mim é um fato histórico. Num país racista e classista, um negro chegar a completar uma graduação elitista, como a medicina, o faz merecer um troféu! Ou podemos acreditar que as coisas estão mudando. 
Lacrimejei ante o ser quase completo, ao unir a prestigiosa intelectualidade à afetividade popular – nossa principal cultura, nosso principal valor. Não falo do famigerado “Homem cordial”, mas de algo mais profundo, de uma afetividade saborosamente brasileira, popular. Contou sobre sua mãe, sobre seus 45 anos e a dor que já sentia nas costas.
Talvez ele nem venha de uma classe tão popular como a minha; talvez ele ache ridículo este post. Mas é certo que vi na sua pessoa a representação da minha classe, das minhas raízes, das pessoas simples com as quais sempre convivi.
O que mais me surpreendeu foi o fato de ele ser um dos poucos médicos que tenho visto destituído da soberba intelecto-social-econômica. Ele trazia uma brasilidade, uma bem-querência no olhar, na voz, enunciando um anti-intelectualismo, um não empoderamento. Ele dispensou a carapaça socio-econômica muito usada no país.
Eu amo os negros, a cultura negra, sua alegria. Por toda a vida tive e tenho muitos amigos negros. Talvez por isso, também, tenha me simparizado tanto com ele.
Não conheço nenhum estudo sobre a soberba, mas sua intenção é clara: separar, selecionar. Conheço poucos estudos sobre a afetividade brasileira. Quando é destituída do interesse pessoal, sua intenção parece ser unir, familiarizar. Essa afetividade de que falo quebra as separações sociais e nos humaniza. Deixando de lado a indissociação entre o público e o privado, nos humaniza! É disso que precisamos!!
A soberba vai se tornando uma cultura de massas: um fulano imita uma suposta elite, que imita outras supostas elites etc. Seu critério não é racional, mas impulsivo – nasce da necessidade humana de seguir o “grande outro”(Freud), de se subordinar, quando não se tem uma certeza interior, quando ainda não se alcançou a individuação (Yung). 
  E que me perdoem a ênfase, novamente, mas preciso explicitar esse acontecimento diante de minhas retinas fatigadas!

quinta-feira, 14 de janeiro de 2016

OS ALUNOS ESTÃO DESMOTIVADOS...





             


            Os jovens estão desmotivados com a escola? Não, eles estão super, hiperexcitados com as diversões eletrônicas e virtuais. A competição dos educadores com esses especialistas da diversão se torna extremamente desigual.
Diz-se que a vida na selva é cheia de ciladas e embustes dos predadores ou dos inimigos. Essa livre ação do mercado, atuando por telinhas retangulares, por todos os lugares, é realmente um dos maiores perigos da selva de pedra.
A agressividade do mercado não tem precedentes. utilizam refinadas técnicas psicológicas de encantamento, envolvimento – são espécies de poderes mágicos de nosso tempo. Os mais vulneráveis a isso são as crianças e os jovens, e o adultos, e os velhos (se é que ainda existe esta palavra).
A opinião pública não consegue medir o quanto a publicidade e os meios de comunicação cooptam vontades, sonhos, desejos – no futuro devem ser feitos estudos sérios nessa área. A semiótica da cultura os iniciou.
Essas publicidades deveriam ser dirigidas somente a adultos, ao menos. Menores de 18 não estão preparados para elas. Outra coisa são os jogos e as interações internéticas. Já faz anos que a psiquiatria vem estudando os malefícios da internet e seus mecanismos.
O autor de inteligência emocional lançou um novo livro versando sobre atenção e sua importância para o sucesso. Eu quero assinalar a sua importância para a saúde mental (vejam as pesquisas de jon kabat zinn). E a perda da atenção a que estamos submetidos deveria imputar pena legal a esses cooptadores.
Meu alerta vermelho pisca quando vejo uma televisão ligada, o dia inteiro, como se fosse um fundo. Segundo a teoria do psicólogo polonês robert zajonc, o que entramos em contato ou vemos furtivamente, torna-se nosso gosto (a familiaridade se transforma em preferência ou afeição em nível subconsciente). Assim, passamos a gostar de tudo que passa na telinha. seremos então marionetes nas mãos do mercado. O pior é a subjugação estética à pobre telinha.  A chamada cultura pasteurizada, de baixo valor nutritivo, é isso o que a maioria dos jovens consome – gosta porque “aprendeu” a gostar.
Sem um esclarecimento e seleção, por parte dos pais e educadores, do contato com esse mundo profundamente cooptador, dessas técnicas sofisticadíssimas de prender a atenção, de envolver, qualquer um que se expuser a elas será presa fácil.
Façamos força para evitá-las, racionalmente. Nosso subconsciente é uma esponja.
Só quem fica longe disso consegue ver um pouco a realidade. Quem está mergulhado nessa amálga, não enxerga nada. Somente o refinamento estético pode nos dar essa visão. É por isso que a arte é fundamental.
É luta muito árdua a dos professores, querer encaminhar os alunos para uns objetivos, mas o mercado quer outros.
Eles dizem: “seja autêntico!”
Mas o que eles querem dizer é: “se mate de trabalhar, ou mate seus pais de trabalhar, e compre!”