segunda-feira, 27 de julho de 2015

O SOFRIMENTO: NOTICIÁRIO E REALIDADE

Muitos são os problemas de nossa época, grandes são os desafios. A violência, a criminalidade, os conflitos armados entre nações e dentro mesmo de famílias apresentam-nos um cenário aterrador. Mas a sensação de que as coisas têm piorado, em todos os sentidos, é baseada em fatos científicos?

A maneira como encaramos o sofrimento precisa ser modificada. Porque o que temos feito é potencializar o sofrimento. O sofrimento sempre é superável. Olhemos racionalmente para a história: a civilização avançou, apesar dos dissabores de toda ordem. Os grandes inventores, pensadores, criadores, as grandes personalidades da história, das leis, dos movimentos populares, analisando-se a vida pessoal de cada um e seu contexto social, é bastante razoável dizer: seria natural terem desistido. Seria normal terem desistido. Mas não desistiram. Aleijadinho trabalhou até ser consumido pela hanseníase. Bethoven compôs quando já estava surdo. Machado de Assis era epilético e sofria forte preconceito por ser mulato. Jorge Luis Borges perdeu a visão aos trinta anos; viveu até os 87 sem se lamentar, tendo escrito mais de 50 livros. Manuel Bandeira perdeu toda a família aos 20 anos, além de ter contraído tuberculose. Mesmo desenganado pelos médicos, não desistiu e viveu até os 80.
Não só os grandes homens, as pessoas comuns também não desistiram. E a civilização avançou. Isso é racional. Isso é fato. Vivemos na melhor época da história, comparando-se com o passado. Vivemos no melhor momento da vida social e histórica do Brasil e da Humanidade. Isso não é otimismo. É fato. É racional. Basta analisar a história.  Embora tenhamos, sim, uma série de problemas a enfrentar. Mas a sensação de pessimismo, de problemas insolúveis por toda parte é uma ilusão. Essa ilusão já foi racionalmente explicada, há mais de dez anos, por uma série de comunicólogos embasados na neurociência. Vocês conhecem a origem dessa ilusão, certo? Se não conhecem, explanarei brevemente.
É fato que o noticiário tem se expandido no mundo todo. E os meios de comunicação têm se multiplicado. Pois bem, e quais são as notícias veiculadas que mais chamam a atenção da população? Ou seja, qual é a natureza da notícia que mais atrai a atenção da população mundial, que traz mais ibope, acessos e assistências? Sem dúvida, são as notícias funestas e desastrosas. Os jornalistas perceberam que a melhor maneira de mobilizar a atenção do público era referir-se a notícias que comprometiam a vida. Ponto. Este foi o caminho da mídia internacional, da grande mídia e de parte das mídias alternativas. A sensação que se tem atualmente de que o mundo piora e de que o desespero toma conta da população nada mais é que uma ilusão criada pelos meios de comunicação. Para quem observa racionalmente a realidade, notará que a história tem avançado. A qualidade de vida tem melhorado. A mortalidade infantil tem diminuído. A distribuição de renda tem melhorado em nosso país. O acesso à educação e à informação sem dúvida tem progredido. Doenças incuráveis têm sido controladas. Esses fatos são baseados em pesquisas sérias. É diferente de uma sensação pouco racional causada pelo impacto das notícias funestas que povoam nossos ambientes cotidianos. 

Narro tudo isso porque sou bastante atento à história da minha família. Meus pais vieram do interior de Santa Catarina na década de 60, num povoado que somente no ano 2000 teve instalada energia elétrica. Atento à história de meus pais, de onde vieram, do Brasil que conheceram e do Brasil que temos hoje, não posso deixar de me sentir otimista e esperançoso. Meus três irmãos mais velhos nasceram de parteira, sobrevivendo sem nenhuma vacina. Três outros não escaparam da mortalidade infantil por falta de assistência e pré-natal. Isso faz parte da minha história. É desse Brasil que narro. É desse lugar que me posiciono. Meu pai foi pedreiro na juventude. Sua vida deu algumas voltas como taxista e comerciante, mas no fim da vida, com pouca saúde e muitos anos, teve de retornar a ser pedreiro. Essa é a minha história. É desse local que falo. É desse Brasil que falo. Na minha infância, a falta de água era constante. Meu pai cavou um poço. A água era grutenta. Podia estar contaminada. Mas é com ela que nos banhávamos, com ela que limpávamos a casa. Falo deste Brasil. Falo deste lugar. Na minha infância, a troca de tiros era constante no bairro. Tínhamos de nos jogar no chão por causa das balas perdidas. As mulheres rezavam e as crianças choravam. Depois chegou por lá um posto policial e tudo mudou. Isso foi um progresso. Falo desse Brasil. Falo desse lugar.

Deixando a mídia de lado e, particularmente, a história de minha família, pensemos nos sofrimentos reais que atordoam as pessoas comuns, em sua maioria sem deficiência, doença grave ou transtorno mental.
A saúde da população em geral - salvo os problemas de nosso sistema de saúde - é a melhor da história. Fato inequívoco demonstrado pela expectativa de vida.

Os grupos minoritários citados acima, por sua vez, sofrem sérias dificuldades. No entanto, não os vemos lamentar-se tanto quanto as pessoas "normais" ou saudáveis.
Enquanto grupos se manifestam por seus direitos, o que é evidentemente notório e razoável, há pessoas estancadas em seus pequenos porões, que queriam apenas caminhar. Há pessoas que queriam apenas comer e realizar a higiene pessoal com autonomia. Outras queriam ao menos mover uma mão. Outras queriam aprender a ler, apenas isso. Algumas foram desenganadas pelos médicos, e há pacientes de transtornos mentais, como a esquizofrenia, que queriam apenas um amigo para conversar.
Muitos são os sofrimentos. Seres que estão a nossa volta, às vezes a poucos metros de nós. Será que não podemos aprender com eles um pouco sobre nós mesmos? Será que a verdadeira compreensão, aceitação e auxílio dessas pessoas não nos tornaria mais conscientes de nossa realidade? Pois, afinal, eles fazem parte de nossa sociedade. Um grupo teoricamente majoritário os teria excluído da "normalidade". Tal exclusão, certamente, trouxe um empobrecimento de consciência a todos nós.

Se modificarmos a maneira como vemos o sofrimento, creio que nossa consciência se expandirá. Ao invés de potencializá-lo, poderíamos nos deter nos avanços, como fizeram honoráveis nomes do passado.

Se aceitamos realmente o viés transmitido pelos meios de comunicação, teremos algum ânimo para progredir ou para acreditar nas novas gerações?



As novas gerações, aceitando essa visão apocalíptica da realidade, teriam esperança pelo futuro?


COMENTÁRIOS: franzrosa@hotmail.com