sexta-feira, 14 de novembro de 2014

SENTENÇAS MORTAIS


 

Uma notável professora da Universidade de São Paulo disse em sua aula sobre educação especial que um aluno com Síndrome de Ásperger NUNCA vai entender a linguagem com sentido figurado. A notável doutora contou-nos que, quando estudante de ensino fundamental, certa professora sentenciava diariamente que “as meninas daquela região ou seriam putas ou ladras.”

Uma série de psiquiatras do município de São Paulo diz continuamente para pais que o Transtorno do Espectro Autista é irreversível e que suas crianças nunca terão “vida social” normal. A medicina reconheceu publicamente que o autismo é reversível.

Um grande amigo meu consultou um psiquiatra especialista e foi diagnosticado com Transtorno Obsessivo Compulsivo. Em seguida, começou a consultar-se com um terapeuta especializado nesse transtorno. O terapeuta lhe disse que “ele é doente” e que, certamente, não fez mestrado porque “não tem capacidade”. Disse-me meu amigo que naquele momento entendeu porque o ódio é potência para grandes mudanças. Abandonou o terapeuta e foi atrás do mestrado. Quer esfregar no nariz do especialista a titulação. Eu sugeri que lhe convidasse para a defesa da dissertação, somente. Já seria um prato frio.

Tive um aluno com Síndrome de Duchen. O médico lhe deu um ano de vida. Passado um ano, como o menino não bateu as botas, o médico lhe deu mais 9 meses. Passados os nove meses ainda estava vivo, então o médico disse que “do ano que vem não passaria”. Nesse ínterim saí da escola. Não ouvi comentário do falecimento do menino até hoje.

Tivemos uma gatinha chamada Mika. Mamãe, por descuido, esmagou a cabecinha da coitada. Levamos à veterinária. A médica disse: quer sacrificar ou vai querer comprar remédio caro e fazer exame caro? Nós dissemos: deixe ela com a gente. A gatinha viveu mais quatro anos.

Os exemplos acima, e inumeráveis que todos nos deparamos cotidianamente nos trazem um fato: alguns médicos e educadores, além de titulação de especialistas mega-ultra também querem alcançar o título de adivinhos e de profetas.

Todo respeito à medicina e à ciência. Repito, respeito à ciência.

Dirão que há dados. Que há probabilidades. Dirão que estudos há, inumeráveis, atestando tal ou qual estado, possibilidade de tal e tal desenvolvimento da enfermidade, transtorno, síndrome, o que seja.

Respondo que sim, que estão certos. Repondo que probabilidade não é verdade. Possibilidade não é certeza. Estudo do passado, de casos do passado não pode ser profecia do futuro, atestado de óbito para o presente. Responder-me-ão que cada caso é um caso, mas...

Quer matar um pai no presente é dizer que seu filho NUNCA vai ler, NUNCA vai caminhar, NUNCA vai melhorar, NUNCA vai avançar, NUNCA vai ter vida “normal”.

Ninguém, nem o Papa, nem Pai de Santo, nem médico de Sorbone consegue prever a vida de um ser vivo! E não tem o direito de usar sua posição de poder para predizer o futuro. O que é, no mínimo, ridículo.

Dito isso, profissionais da saúde e da educação, cuidado com as sentenças mortais, pronunciadas com o desdém da arrogância. Aquelas que não levarem suas vítimas a óbito imediato, poderão recebê-las num futuro não muito distante, convidando-lhes para uma defesa de dissertação.
Rodrigo da Rosa, novembro de 2014

COMENTÁRIOS: Enviar para franzrosa@hotmail.com
 

segunda-feira, 3 de novembro de 2014

A PATOLOGIZAÇÃO DA EDUCAÇÃO

    O alto índice de fracasso escolar no Brasil deve-se a muitos fatores. A escola anacrônica, os problemas sociais, a apressada massificação da educação e a insubstancial formação dos educadores apresentam-se como questões de relevância incontestável.  
É evidente que a escola atual não é atrativa para os alunos. Talvez nunca tenha sido, mas é evidente que a sociedade disciplinar caiu e tomou seu lugar a sociedade líquida. Não há como disciplinar os corpos. Não há mais espaço para isso. E, devido à publicidade focada no público jovem, eles se sentem empoderados, sua subjetividade é forjada com fantasias de consumo e poder. O antigo mestre, rígido e severo, a antiga escola, disciplinar e autoritária, são desconstruídos facilmente pelo desdém juvenil e pela fragilidade dos papéis hierárquicos.
       Por outro lado, a escola pública torna-se a grande acolhedora das classes sociais menos privilegiadas. Havendo nessa classe, supostamente, maior probabilidade de situação de risco e carência de serviços básicos como saneamento, saúde, nutrição e lazer.
     Também acrescente-se que no Brasil a massificação da educação ocorre muito tarde, entre 1980 e 1990, processo ainda incompleto hoje. Assim, uma grande massa populacional, sem “cultura escolar”, passa a ser disciplinada nas escolas públicas. Processo que parece ser mais tortuoso devido a essa ausência de “cultura estudantil” nas famílias.
        Os profissionais da educação, por sua parte, atuantes nas escolas públicas, são, em grande parte, formados em instituições ainda com fragilidade acadêmica. Com uma formação frágil, torna-se mais difícil sanar todas as dificuldades acima listadas.

           Dito isso, muitas são as causas do fracasso escolar no Brasil. Encontrar uma solução médica parece ser um caminho mais seguro do que enfrentar todas as questões postas acima, as quais necessitariam de décadas para serem superadas. Acrescente-se que o médico não perdeu o prestígio que o professor nem mesmo viu passar. Assim, se o doutor disse, está dito, não há com o que se preocupar.
        Refiro-me aos Distúrbios de aprendizagem ou aos Transtornos de aprendizagem, tão em voga atualmente. A professora Cecília Azevedo Lima Collares questiona se, ao invés de problemas de aprendizagem, esses alunos não teriam sofrido problemas de ensinagem?