sexta-feira, 22 de janeiro de 2016

Você conhece um médico negro?



Que me perdoem a ênfase, amigos, mas, ao entrar no consultório e ver pela primeira vez um médico negro, brasileiro, me emocionei! Quis mais saber sobre a história dele do que contar a minha!
Para mim é um fato histórico. Num país racista e classista, um negro chegar a completar uma graduação elitista, como a medicina, o faz merecer um troféu! Ou podemos acreditar que as coisas estão mudando. 
Lacrimejei ante o ser quase completo, ao unir a prestigiosa intelectualidade à afetividade popular – nossa principal cultura, nosso principal valor. Não falo do famigerado “Homem cordial”, mas de algo mais profundo, de uma afetividade saborosamente brasileira, popular. Contou sobre sua mãe, sobre seus 45 anos e a dor que já sentia nas costas.
Talvez ele nem venha de uma classe tão popular como a minha; talvez ele ache ridículo este post. Mas é certo que vi na sua pessoa a representação da minha classe, das minhas raízes, das pessoas simples com as quais sempre convivi.
O que mais me surpreendeu foi o fato de ele ser um dos poucos médicos que tenho visto destituído da soberba intelecto-social-econômica. Ele trazia uma brasilidade, uma bem-querência no olhar, na voz, enunciando um anti-intelectualismo, um não empoderamento. Ele dispensou a carapaça socio-econômica muito usada no país.
Eu amo os negros, a cultura negra, sua alegria. Por toda a vida tive e tenho muitos amigos negros. Talvez por isso, também, tenha me simparizado tanto com ele.
Não conheço nenhum estudo sobre a soberba, mas sua intenção é clara: separar, selecionar. Conheço poucos estudos sobre a afetividade brasileira. Quando é destituída do interesse pessoal, sua intenção parece ser unir, familiarizar. Essa afetividade de que falo quebra as separações sociais e nos humaniza. Deixando de lado a indissociação entre o público e o privado, nos humaniza! É disso que precisamos!!
A soberba vai se tornando uma cultura de massas: um fulano imita uma suposta elite, que imita outras supostas elites etc. Seu critério não é racional, mas impulsivo – nasce da necessidade humana de seguir o “grande outro”(Freud), de se subordinar, quando não se tem uma certeza interior, quando ainda não se alcançou a individuação (Yung). 
  E que me perdoem a ênfase, novamente, mas preciso explicitar esse acontecimento diante de minhas retinas fatigadas!

4 comentários:

  1. É um bonito texto, pois nele você apresentou seus sentimentos diante de algo que considerou inusitado, improvável.
    Essa surpresa confirma a desigualdade social e o racismo em nossa sociedade. Realmente é praticamente impossível a quem não pertence a uma elite financeira branca a oportunidade de cursar Medicina (ou mesmo a Faculdade de maneira geral!), e é importante sempre questionarmos as causas e consequências dessa realidade.
    Nosso sistema escolar meritocrático sempre nos ensinou que se quisermos alguma coisa, podemos conquistá-la com muito estudo, muito esforço. Entretanto, sabemos que isso é uma falácia, pois as oportunidades não são iguais a todos e todas e o fato de uma ou outra pessoa "chegar lá", não diminui o processo excludente sob o qual vivemos, pelo contrário, é usado como exemplo de que é possível a todos que quiserem, sem que seja preciso mudar o sistema. Esse pseudo "vencedor" estará sempre marcado pelo olhar de admiração, surpresa ou desconfiança. Nesse sentido, considero que os movimentos organizados são as melhores formas de resistência à opressão e injustiça, pois geralmente conduzem à luta por direitos coletivos, questionam a hegemonia branca, masculina, cristã, heterossexual entre tantas outras hierarquias.

    Mas essa é uma longa história...

    Elza Ferrari

    ResponderExcluir
    Respostas
    1. Rodrigo parabéns pela crônica, nos faz refletir sobre os valores dessa sociedade, os quais foram tão bem comentados pela Elza Ferrari. Oxalá chegue o dia em que fatos como o relatado sejam tão comuns que nossos olhos deixem de notá-los. Abraço.

      Excluir
    2. Obrigado pelo comentário, Antonia! Lutemos para que assim seja. Abraços

      Excluir
  2. Me deixa triste saber que nós, seres humanos somos tão desprezíveis a ponto de julgar alguém incapaz pela cor ou sexo. Só pelo fato de ser uma surpresa ver um médico negro me dá a certeza de que nós só estamos regredindo. Porque se fosse o contrário isso seria uma coisa banal.

    ResponderExcluir