terça-feira, 24 de maio de 2011

ESPETÁCULO "DEVORAÇÕES"

Crítica do espetáculo “Devorações”, da Companhia 8 de dança (No Centro Cultural São Paulo, dia 21.05.11)







O que é louvável: a consciência corporal dos dançarinos. A música, minimalista, simples, mas presente, autoral, genuína. Também destaco suas coreografias não coreográficas - faço-me entender: há uma superação ao que se chamava coreografia/partitura corporal quanto à sua forma, padrão, gênero. Cria-se um novo gênero de partitura corporal; uma série inusitada de vocabulário corporal.


No entanto, este novo vocabulário que apareceu trata-se de uma experimentação estética, a qual não chamaria de arte. É um laboratório de estudos da forma, apenas beirando o conteúdo.


Destaco a presença no palco: o corpo vivo, verdadeiro, desperto, espontâneo. Destaco o mesmo cinismo, dissimulação e aguda inteligência de Machado de Assis: as complexas ciências biológicas, cênicas e corporais são representadas por esqueletos moribundos que engolem seus próprios ossos e viram do avesso, pegando ônibus na rua.


Tocou-me a singularidade, presença, vida, loucura, enfim, a arte de Maristela Estrela na cena da crioula douda dançante, sapateante, “oxunzada”: criação genuína, domínio da matéria, releitura surpreendente da cultura batucada.


Noto a recorrência de temas modernos: o belo é colocado em xeque; a discussão quanto ao espaço social da arte, expresso pelo “mal gosto”, expressões “chulas”, baixo ventre vivo; “devoração” de cultura primitiva, étnica, raízes; o intelectualismo acadêmico, herança, ainda, do cientificismo dezenovista, expresso pela frieza emocional, racionalidade conceitual; a herança de Brestch, no distanciamento não catártico, na sobreposição da intelectualidade sobre o sentimentalismo.


Um espetáculo-estudo profundo para quem tem olhos para ver. Não obstante, acho que já é hora do academicismo ceder e do intelectualismo dar lugar à vida.

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