Hoje novamente visito meu aluno,
o R, para mais uma aula de espanhol. Esta é a língua que ele ama, a que lhe dá
alegria. É o que vou lhe ensinar, se é que posso dizer assim. Formalmente sou o
professor, mas, na verdade, eu é que sou o aluno. Ele é quem me ensina; o
privilégio é meu o de tê-lo como professor. Explico-me.
R não movimenta os braços, nem as
pernas, nem os dedos, nem o pescoço. De sua traqueia alça-se um ducto para
ventilação mecânica. Está assim há dois anos devido a uma infecção rara na
coluna cervical. É uma doçura de menino, apesar do duro fardo. Digo doçura, porque
o tenho ganhado com meu espanhol neo argentino. Não procura agradar. Nunca procurou.
Nem procura a compaixão. Sorri, atencioso, para o que lhe interessa. Parece ser
seu maior deleite, essa língua ibérica. Existem coincidências do destino. R ama
a língua do reino de castela, e, por coincidência, leciono o idioma. R é aluno
do Ensino Fundamental, no qual, no Município de São Paulo, não consta língua
espanhola no currículo. Que importa? A sede de aprender é superior aos
currículos. E o destino nos atraiu, para mútuo aprendizado.
Mas que memória! Que concentração
para com o que ama! Certamente seu amor à língua vem de sua fixação por um
grupo musical juvenil mexicano. Sabe de cor todas as letras.
Deitado, sem se lamentar, com a
voz por vezes embargada devido ao ar escasso, lépido em sua curiosidade,
concentra-se na tarefa, entrega-se a ela, esquece o transitório corpo.
Ensino-lhe vocabulário e estruturas
que memorizei e internalizei. Ele ensina-me sendo quem é. Ensina-me com sua
serenidade, com sua paciência. Ensina-me quando sorri. Porque sorri, ensina-me.
Perguntei-lhe sobre seu maior
desejo . “Sair da cama”, disse-me e riu.
- E depois? Tornei a perguntar.
- Ir à escola.
- E depois?
- Ir à igreja.
- Gostas de ir à igreja?
- Gosto. E encerrou o assunto.
Na verdade, eu queria que me
dissesse “O que mais queria era escrever um livro”. Mas não o disse. Encerrou o
assunto fugindo às sentimentalidades. Espanhol era o que lhe interessava, ora.
Ele me ensina. Com sua
resignação. Com sua vontade de aprender. Com sua paz.
Rodrigo
da Rosa, outubro de 2014
COMENTÁRIOS: enviar para franzrosa@hotmail.com
Querido Amigo:
ResponderExcluirQue privilégio ser professor de um aluno assim. Que privilégio ter um professor como tu!
Forte abraço aos dois.
João Luís
Que lindo, cara
ResponderExcluirWilliam Rosa
Olá Rô,
ResponderExcluirTexto lindo como sempre querido!
Que bom que voltou a escrever
Márcia