quarta-feira, 29 de outubro de 2014

OS SALVADORES DA PÁTRIA



            
Nesta semana, encararam-nos como “salvadores da pátria”.  A mim e a minha companheira de trabalho, a Carol.

Ou salvadores da pátria ou santos milagreiros, foi com essa impressão que nos olharam. Simplesmente porque, uma menina que supostamente era cadeirante, passou a caminhar.

Caminhou dando-nos as mãos. Alegria, por descobrir suas pernas. Alegria, por poder mover-se com novas sensações. Observando sua alegria, pensei: estou no lugar certo, na hora certa, e isto se chama felicidade.

Nossa alunazinha tem oito anos. Franzina, mas de mãos grandes – de tanto exercitá-las para deslocar-se girando as rodas de sua cadeira.

Por que estava na cadeira de rodas, já que andava? Não sabemos.

Podemos levantar muitas falsas hipóteses e até mesmo culpar a família. Mas ninguém tem culpa. Ninguém é o culpado por algo, como mal desenvolvimento de uma criança. Faltou informação, conhecimento. Esta parece ser a resposta certeira.

Tiramo-la da cadeira porque o enfermeiro, que foi visitá-la em casa, disse-me que ela “não é cadeirante”. Apenas disse-me isso, com insatisfação na voz. E então fui comprovar sua fala. De fato, a mocinha anda, ainda que com dificuldade.

Mas a verdade é que estava “amarrada” na cadeira. Usava um colete para o tronco, que impede quedas. Mas ela tem controle do tronco. Não necessitaria nada disso. Apenas para estar “amarrada”. Que triste. Isto é superproteção?

E a menina caminhou e todos nos olharam espantados. A professora disse que não dava, que ela não deveria permanecer fora da cadeira porque poderia cair. As crianças caem, eu respondi. “Mas ela pode se machucar”. As crianças se machucam, respondi. Isso é normal. Anormal é deixar a pequena amarrada numa cadeira!

Com esse episódio levantei uma reflexão. A menininha não caminhava, nem mesmo reclamava por estar na cadeira porque certamente não sabia que podia caminhar. Tal como um elefante, que é amarrado desde jovem e quando adolesce crê deveras que a corda é inquebrantável, embora já tenha força para rompê-la.

Assim também seremos nós. Temos potencialidades que, por ignorância, cremos que não as possuímos. Estou certo disso. Falsas crenças nos amarram, atrofiam nossas pernas. Velhos conceitos nos impedem de avançar e conhecer novas alegrias.

Mas, afinal, quem nos pegará pela mão para mostrar o que podemos?

Rodrigo da Rosa, outubro de 2014

 

 



Comentários, enviar para: franzrosa@hotmail.com

5 comentários:

  1. Nossa!!!!!!!!!!!!!! Que história linda!!!!!!!!!!!! Alias, todas elas o são! Perdoa minha demora em te responder, muito trabalho. Mas isto que vc está desenvolvendo é o que todos os professores deveriam fazer!!! Descobrir capacidades!! Pode crer que estás no lugar certo, e melhor que isto! Fazendo a coisa certa! Eu adoraria ir a essa escola dar uma motivação pra essa garota! Quem sabe transformamo-na numa artista como procedeu comigo... Ai, adoramos, a Lua e eu, trabalhar com crianças!



    Mudando um pouco de assunto... irei agora mesmo escrever o texto sobre a minha nova performance, a maria lúcia acaba de me mandar as fotos! Você me abriu muitas portas e oportunidades e me ajudou a galgar um novo degrau na minha arte!! Te agradeço muito todos os dias!!




    Precisamos nos ver mais!!!!




    Abraço!




    Edgar Izarelli!
    http://edluaartes.blogspot.com.br/

    ResponderExcluir
  2. Oi Rodrigo meu irmão,
    pois então, esses dias vi o espetáculo no Centro de Cultura Judaica que a diretora Fernanda põe todos pra dançar: deficiente visual, auditivo e "cadeirante" (dançarino com sindrome de osso de vidro) ... fiquei pensando demais sobre isso, sobre as amarras que vamos colocando e reproduzindo. Neste mesmo evento "Olhar de Neblina", que é inspirado no fotógrafo filósofo "deficiente visual" Evgen Bavcar, segurei um pensamento dele, narrado por um ator dançarino :

    alguns me perguntam: como você fotografa? Mas deviam me perguntar por que eu fotografo. Pois "o como fotografo" é muito íntimo, ninguém perguntaria como você faz amor... o porque é diferente. Eu faço fotos porque preciso, assim como qualquer artista precisa fazer a sua arte. Agora como faço? Aí é da minha intimidade.




    abrç

    Wagner Dias
    http://boizinhodemanga.blogspot.com.br/

    ResponderExcluir
  3. Que experiência hein?!?!?!



    Fez-me refletir... quantos de nós estamos "amarrados" em cadeiras de roda imaginárias, que tomam distintas formas e tamanhos e que nos envolvem, nos dando a certeza de não poder conseguir fazer isto ou aquilo, alcançar um sonho, superar uma crença ou padrão de comportamento...




    Obrigado por compartilhar sua experiência, que nos serve de ensino de vida.




    Nos resta saber agora se vão deixar a menina caminhar, já que todos sabem que ela agora pode...




    bjbj

    Will
    william-rosa@hotmail.com

    ResponderExcluir
  4. Valeu, cara, pelas palavras, pela reflexão que foi mais além do que a minha!!!!


    Ah, sim, semana que vem vou lá de surpresa, ver se a menina continua amarrada na cadeira!
    Rodrigo da Rosa

    ResponderExcluir
  5. Oi Rô, nossa, que estória, né?? Muito legal a participação de vcs e seu texto ótimo, como sempre.
    Bjs

    ResponderExcluir